28 de junho de 2015

CRÍTICA: Vereda Tropical

Vereda Tropical, 1977, Joaquim Pedro de Andrade

Por Tiago Lima


Se nos ativermos à visão atual do gênero cômico, especificamente no Brasil, perceberemos que há uma constante tentativa de se conquistar o riso através de recursos um tanto quanto apelativos. Mesmo que nem todas as produções se enquadrem nessa variante, é claro que tal tendência existe, sendo principalmente acarretada pela dificuldade já intrínseca ao próprio gênero comédia de se construir um enredo simples, inteligente e sem muitas “firulas”.Há algumas décadas atrás, Joaquim Pedro de Andrade produziu uma pérola do cinema brasileiro e da comédia. O curta-metragem “Vereda Tropical” seria considerado uma verdadeira bomba nos dias atuais – e à época de seu lançamento, no ano de 1977, ainda mais, sendo inclusive censurado pela ditadura militar – pelo fato de ser tão simples do ponto de vista narrativo e de execução. Uma verdadeira aula de humor aos que acreditam que há de se apelar para arrancar risos de uma plateia.O personagem central é um homem comum, porém com gostos peculiares. Já nos primeiros minutos, percebe-se que seu olhar e intenções para com a melancia que carrega debaixo do braço, enquanto pilota sua bicicleta, são diferentes do de uma dona de casa ou de um mero apreciador de frutas. Ao simular – ou praticar, de fato - o ato sexual com a melancia, o protagonista torna claro que o que o encanta e atrai na fruta é o que encanta e atrai qualquer outra pessoa provida de uma libido sexual, porém de uma forma exótica e estranha à natureza humana.A partir disso, as discussões acerca do comportamento do personagem se desdobram em muitas. O fato de manter “relações sexuais” com uma fruta seria reflexo de uma vida solitária, de algum tipo de transtorno ou simplesmente uma escolha consciente e que o agrada, sem se fazer necessária nenhuma explicação psicológica ou científica? Talvez essa oportunidade de se discutir a narrativa seja o principal fator que diferencia este filme da tendência atual, e também recorrente à época em que foi lançado, na construção pouco elaborada de roteiros de comédia. É com o surgimento de uma personagem secundária, com a qual o protagonista passa a dialogar, que a narrativa ganha mais consistência. São nesses diálogos que o lado mais “comum” do personagem passa a aparecer, como forma de justificar os seus atos. O mais interessante é perceber que não há pudor entre os dois. A moça escuta e até se mostra interessada nas experiências sexuais de seu amigo. O diálogo é cortado por cenas em que o protagonista pratica suas fantasias eróticas, como ele mesmo confessa à outra personagem, criando situações, vozes e dando vida a suas “parceiras sexuais”. A experiência ao ver o filme é de certa forma, libertária. Por girar em torno de um personagem e de suas taras, seria extremamente natural que a estranheza fosse a única coisa a se sentir. Entretanto, quando o vemos como um alguém comum, porém com gostos peculiares, nos vemos ali. Somos todos como ele, comuns ao nosso jeito, estranhos em meio à mesmice, buscando uma forma de fugir das concepções um tanto quanto sufocantes impostas pela sociedade. Em “Vereda Tropical”, a comédia é sutil e a experiência fílmica é orgástica assim como a do personagem e suas melancias. Não há nudez ou palavrões, como fala o próprio Joaquim Pedro de Andrade, porém a estranheza ainda está presente. É na mistura entre o cômico e o estranho que o filme melhor se sustenta. O motivo de riso é novo. Debocha-se, porém se respeita, pois o personagem é ingênuo e livre para agir como quiser, para escolher o que o atrai e para dividir suas experiências com quem desejar. Nós, espectadores, nos sentimos confidentes dele, e mesmo que distantes de agir da mesma forma, nos identificamos e desejamos ser livres e donos de si como o personagem o é.

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