28 de junho de 2015

CRÍTICA: Fuga de Nova York

Escape from New York, John Carpenter, 1981

Por Tiago Lima


Um aspecto interessante presente em filmes futuristas produzidos no século passado reside no fato de que os idealizadores imprimem uma visão particular a respeito de como seria a configuração social dos tempos ainda por vir. John Carpenter, em seu "Fuga de Nova York", se baseia em um aspecto mais catastrófico - até mesmo pós apocalíptico - na sua visão futura da cidade de Nova York. No filme, que se passa no ano de 1997, a cidade norte-americana seria transformada em uma prisão de segurança máxima, onde vivem exclusivamente grupos marginalizados que convivem com uma imagem totalmente diferente da realidade da metrópole, agora suja, em ruínas e sem qualquer tipo de higienização.

A representação da cidade composta pela direção de arte cria a atmosfera perfeita para que seja desenvolvida a trama principal do filme, a operação de resgate do presidente do Estados Unidos, cujo avião foi sabotado e derrubado na parte da cidade onde fica localizada a prisão. Para pôr em prática o plano elaborado pelos responsáveis pela administração da prisão, um dos presos, Snake Plissken é recrutado, com a promessa de receber sua liberdade caso tenha sucesso em sua missão.

A partir desse acontecimento, abre-se espaço para uma série de cenas repletas de ação e suspense que conseguem prender o espectador, como num bom filme blockbuster hollywoodiano. Entretanto, no que pode passar despercebido pelo "grande público" reside o que há de mais grandioso na produção de John Carpenter.

Ao abordar o espaço urbano da cidade de Nova York de uma forma completamente diferente do que se concebe na realidade, o filme adentra em uma discussão acerca da composição social, das relações entre o espaço urbano e as pessoas, entre outros.

O roteiro se constrói de forma inteligente, conseguindo se posicionar em sua crítica através de recursos básicos do cinema, o que é de extrema importância para o espectador, que busca diversão e entretenimento e o consegue plenamente. Porém, enquanto Snake se aventura por uma cidade marginalizada e sem as mínimas condições de se viver, tanto para a sociedade contemporânea ao lançamento do filme, quanto para a atual e, sem dúvidas, para a de qualquer época posterior, há um crescente crítica a essa mesma sociedade que analisa a Nova York do filme como uma impossibilidade.

Sentir-se seguro em qualquer parte do mundo requer certos pré-requisitos. No filme de John Carpenter, não há nenhum. A cidade de Nova York encontra-se habitada pelo que pode ser considerado como o escárnio social, que caminha pelas ruas, agora todas com características de gueto.

Intrigante imaginar os motivos pelos quais o território completo de uma cidade passou a ser utilizado como uma prisão. Mais intrigante ainda é perceber que a concepção arquitetônica de cidades difundida nas últimas décadas, na qual a visão de progresso está diretamente atrelada à verticalização e isolamento de espaços entre os outros como forma de segurança, é a principal motivação para a crítica que Carpenter faz em seu filme.

Mesmo que muitas vezes nos passe despercebido, estamos presos em meio à loucura das cidades, seja ela de cunho social ou da própria arquitetura das cidades. Carpenter percebe isso muito bem, criando o contexto de seu filme baseado em uma possibilidade distante, mas ao mesmo tempo possível, justamente pelo fato de já vivermos em uma espécie de prisão.

Ao hiperbolizar o cenário que observa cotidianamente, o diretor se aprofunda numa crítica à arquitetura das cidades e ao que se relaciona a ela: a sociedade.

Habitada por grupos marginalizados, a prisão de Nova York, apesar de se constituir numa clara desordem social, apresenta características atreladas a qualquer sociedade. Existem relações de hierarquia entre os personagens, mesmo todos estando enquadrados na mesma situação de prisioneiros. Nesse aspecto, percebe-se que não há pré-requisitos para que uma sociedade estabeleça, espontaneamente, as relações que haverão entre si. Assim como a sociedade da vida real, a do filme possui suas próprias particularidades.

O aprisionamento do presidente dos EUA, além de ser o principal fio narrativo, constitue-se em uma das metáforas mais importantes de todo o filme. Por ser a figura de maior poder e, de certa forma, o responsável pelas medidas que tornaram a cidade em uma prisão, aprisioná-lo seria a forma mais eficaz de demonstrar que o poder social não está apenas concentrado além dos muros da prisão.

A figura de Snake também representa a fragilidade do governo, já que ele é, também, um prisioneiro e, ainda assim, a única forma para que o resgate do presidente fosse realizado com sucesso. É dessa maneira que se critica a forma como os líderes se impõem sobre a sociedade que teoricamente lidera, mas que nem sempre se deixa ser liderada, e que conquista poder de voz quando decide unir forças em prol de seus objetivos.

John Carpenter, mesmo construindo a narrativa de seu filme baseada em críticas já citadas anteriormente, consegue, com maestria, se distanciar de um aspecto documental e/ou explicitamente filosófico, já que os temas favorecem, em tese, uma aproximação com esses aspectos.

O desenvolvimento narrativo sendo marcado por cenas de adrenalina, com muitos combates físicos entre os personagens, momentos em que há uso de trilha sonora característica do gênero suspense, entre outros aspectos, se mesclam em prol de uma construção narrativa leve e prazerosa.

Por aspectos como estes, Fuga de Nova York se configura como um importante registro audiovisual que se enquadra em discussões acerca do aspecto do entretenimento, como também de uma peça de estudo social. Assim, vale o esforço para se direcionar o olhar para a discussão crítica extremamente relevante presente no filme de John Carpenter.

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