Stranger than Paradise, 1984, Jim Jarmusch
Por Isabelle Ramos
Uma juventude um tanto perdida e com apatia pela vida. Assim Jim Jarmusch constrói o seu longa-metragem, Estranhos no Paraíso. “Dividida” em três “partes”, a narrativa se desenrola com a chegada de Eva, uma jovem húngara, a casa de seu primo em Nova York e a apatia dos personagens fica desde então evidente, o desânimo do primo, Willie, para com a presença da sua prima e a explícita preguiça de Eva para lidar com a situação que acabara de se formar, constroem um palco para a apresentação de dois estranhos, entre personagem x personagem e entre personagem x espectador.
“Novo mundo” está permeado de diálogos enfadonhos, e de um silêncio que preenche as cenas, apesar dos personagens estarem sempre juntos e trancafiados em um apartamento. Seus cortes repentinos na filmagem, numa provável influência do cinema underground, seguidos de uma demorada tela preta, dão o tom a “não profundidade” desses diálogos, como se não importassem para o filme, de fato. O que temos de significativo são sequências do cotidiano de Willie, que está durante todo o longa-metragem preocupado em se firmar como cidadão estadunidense, num jogo só para sua própria satisfação e reconhecimento por coisas banais. A insistência para que falem somente em inglês com ele e as constantes exaltações de elementos americanos configuram essa necessidade.
Ainda na primeira parte, temos a chegada de outro personagem, Eddie, que parece ser um elemento destoante da rotina enfadonha de Eva e Willie, mas que se deixa tomar pela construção dessa frieza e passa a ser só mais um elemento estranho dentro do desenvolvimento do filme. Em seguida temos a partida de Eva para Cleveland, seu destino inicial, a casa de sua tia Lotte. O filme, então, segue para uma espécie de “novo começo”. Com a passagem de um ano, na próxima divisão “Um ano depois”, após ganhar uma grande quantia em dinheiro, Willie e Eddie parecem ansiosos a quebrar aquela rotina tediosa quando decidem ir a Cleveland visitar Eva.
No entanto, as sequências apresentam os personagens num mesmo teor apático. O trabalho de Eva, a estada na casa da tia Lotte, a ida ao cinema, a ida ao lago que está congelado, o tédio é inerente. Jarmusch elabora uma filmagem da cidade que se apresenta inativa. Mesmo em Nova York, não há aparição de pontos estratégicos que mostre a diferença dos lugares, “tudo continua igual” é afirmação de Eddie diante do cenário construído. E mais uma vez decidem partir aquele cotidiano ao meio.
Em “Paraíso”, última “parte” do filme, Willie e Eddie decidem ir a Flórida atrás de um pouco de diversão. "Praias brancas, mulheres de biquínis, Miami beach" parece para ambos uma fuga da monotonia. Decididos a partir e levar Eva com eles, vemos o trio juntos novamente, mas, mais uma vez estão presos num quarto, estranhos entre si, entediados, buscando uma alternativa pra mudar de vida, enquanto Willie pensa em ganhar mais dinheiro, Eva, agora, é o centro dessa languidez, que outrora tinha sido de Eddie. “Pensei que iríamos a Miami” “isso aqui é o quinto dos infernos” constata a personagem, decepciona com o quadro imposto. No final, quando Eva forja sua ida para Europa, temos uma sensação de mudança na vida de todos os personagens, mas, o contexto se encerra da mesma maneira. Apesar das oscilações, dos dramas particulares a cerca de uma mudança, quando Eddie e Eva expõem sua insatisfação, o monótono continua ali, mas agora temos personagens solitários, amargando em sua apatia.
Dada as construções de personagens que não estabelecem relações, cenários “iguais”, diálogos secos, o que se vê a partir de então, é o desenvolvimento interessante que o diretor, Jarmusch, e os atores dão ao que viria ser uma rotina banal. Apesar da tentativa de mudar de vida, os personagens “andam em círculos” O filme se amarra de forma concisa a sua proposta, e o que poderia nos parecer chato, acaba criando uma aura própria, cheio de personalidade. A filmagem em preto e branco, a escolha de apenas uma música como trilha sonora, que Eva sempre coloca em seu rádio para tocar, os diálogos banais, combinam com a construção europeia do que se tratava de um cinema independente norte-americano em que Jarmusch se inseria. Sem apelos clichês e fora dos padrões comerciais americano.
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