Um Lugar ao Sol, 2009, Gabriel Mascaro
Por Isabelle Ramos
Com a proposta de filmar o universo da elite brasileira, em especial, dos moradores de coberturas das cidades do Rio de Janeiro, Recife e São Paulo, Gabriel Mascaro, nos mostra em seu documentário, Um lugar ao sol (2009), as perspectivas e um pouco do cotidiano dessas famílias que detém um poder aquisitivo muito além do resto da sociedade. O discurso se permeia pela fala dos moradores a respeito de certos pontos como, segurança, poder, realização pessoal, e mais outros temas diversos, que não se incluem no cotidiano de uma parcela significativa da população, nos fazendo abrir nossa visão de campo para o abismo social que se faz presente em nossa sociedade, diante das diferenças que separam esses entrevistados dessa outra parte da população.
Os jogos de cena propiciados pela montagem dão certa abrangência ao filme para tocar na temática da verticalização dos centros urbanos, que tem sido uma das soluções das construtoras para atender a demanda do mercado imobiliário, em virtude do crescimento populacional, e uma forma de lucrar cada vez mais. “Viver nas alturas” parece ser eficaz para fugir dos dramas urbanos, como a insegurança gerada pela violência. E as coberturas simbolizam uma nova era de verticalização da cidade, uma forma de pensar a arquitetura para amparar o medo dessa violência, além do status que seus moradores buscam, e nesse caso, o distanciamento do “resto” da população, que não está dentro da realidade econômica que os entrevistados têm.
E essa é a noção que está presente no documentário, no discurso de busca de cada morador em ter um lugar seguro, que se assemelhe a uma casa, espaçoso, porém enclausurados em um amontoado de “caixotes”, e com a necessidade de se distanciar da vivência “perigosa” na cidade. Buscando uma moradia privilegiada, buscando um “olhar de cima”, sem ver as mazelas da cidade, com suas desigualdades de perto. Esse é um ponto bem colocado na fala “ver o lado bonito do Rio de Janeiro”, o olhar elitista e sem preocupação que a entrevistada, que mora no Rio, lança sobre a troca de tiros entre “gangues” da favela próxima ao prédio em que reside e chama de “fogos de artificio” as balas que cruzam a sua vista favorecida e distanciada da realidade. Ela acaba não enxergando a situação como um mal, pois não lhe atinge diretamente. Reconhecendo seus privilégios, falam de assaltos, assassinatos que acontecem perto deles, mas por estarem em um “nível acima” “protegidos”, não os angustia, e sentem-se seguros, pois esses males não invadem a sua zona de conforto. A cobertura para eles é como uma ilha. Uma ilha em um prédio/edifício com segurança própria em cada andar.
Apesar das particularidades, vemos relatos que se tocam, existe sempre a mesma relação de segurança/conforto/fuga e de certa alienação para com o “mundo lá fora”. A narrativa que se cria com o discurso dos entrevistados é livre. Apesar de aparecer como mediador e realizar as perguntas, e apesar de, na hora da montagem, não explicitar no filme a maioria delas, Mascaro dá liberdade para que cada indivíduo fale suas experiências como bem entender, sem manipular ou coagí-los. E o que percebemos é um documentário preenchido de discursos mesquinhos, e pessoas que por viverem tão “distante” do quadro problemático das cidades, não conseguem enxergar o outro lado, e não querem deixar de viver dentro da “bolha”. Falas que desenham um caráter individualista, arrogante, preconceituoso e que por vezes beiram o ridículo.
Sendo notório que Gabriel Mascaro favorece o clima para as narrativas se desenrolarem, é válido ressaltar que, todos os entrevistados tem plena responsabilidade pelo que falam. Temos também pontos destoantes desse individualismo nas falas de alguns deles, como a francesa que gosta de estar no “meio do povo” e a moradora que reconhece suas vantagens e consegue enxergar para além do seu próprio mundo quando relata a sua vida como voluntária. No entanto, rapidamente voltamos para o discurso elitista, como com o relato do empresário dono de uma boate que afirma “nos aviões, há a primeira classe, a segunda e a senzala”, sem o menor respeito e como uma forma de desprezo pelas camadas sociais que não detém o mesmo privilégio que ele.
Um lugar ao sol traz logo de cara uma proposta curiosa para o documentário, falar sobre banalidades das vidas dessas pessoas para tratar de disparidades sociais, colocando Mascaro num patamar pouco explorado pelo gênero. Pessoas que não vivenciam a cidade, pois estão cercados no seu próprio mundo, abismos sociais, medo do que vem de fora, nesse caso, em especial, do que vem de baixo. Projetados numa arquitetura que protege o indivíduo do meio social, do meio urbano, por projetarem seus medos nesses universos. Criando mundinhos particulares, dão tom e força para que essas diferenças cresçam ainda mais na nossa sociedade.
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