28 de junho de 2015

CRÍTICA: O amor é mais frio que a morte

Liebe ist Kälter als der Tod, 1969, Rainer Werner Fassbinder 

Por Lorena Fragoso


Em seu filme de estréia, Rainer Fassbinder trata das relações pessoais da maneira mais fria que o pós-guerra poderia oferecer: rostos que não sentem, não se expressam; corpos que vagam em piloto automático realizando ações sem esperar por reações.

A história acompanha Franz, personagem interpretado pelo próprio Fassbinder, um bandido que trabalha por conta própria e é requisitado por um sindicato de criminosos. Recusando o convite em prol de sua autonomia, conhece Bruno, membro do sindicato que recebe ordens para segui-lo. Bruno o encontra escondido com sua noiva, Joanna, uma prostituta que acaba por participar de roubos a lojas comerciais, bancos e missões de assassinatos com os dois. O triângulo que, de amoroso, não possui nada: o relacionamento de Franz e Joanna é distante, onde em nenhum momento se vê nenhum sinal de afeto ou desejo presente. Ao deitar-se no chão e ter sua cabeça desabotoada por Bruno, Franz se ofende com a risada que a sua noiva dá, sentindo que ela envergonhou o seu amigo e esbofeteando-a no rosto como punição.

Os olhos dos personagens estão, na maioria do tempo, cobertos por óculos escuros, como se os acessórios fossem parte do fardamento do seu trio fora-da-lei. Seus sorrisos são inexistentes, sendo substituídos por cigarros, muitos cigarros na boca dos personagens. Matam, roubam e são postos em situações de risco na maior naturalidade e tranqüilidade possível, carregando rostos vazios e expressões corporais rígidas sintetizando a frieza de sua realidade. O tom de monotonia contido nos personagens se faz ainda mais presente no filme do filme, onde segundos parecem minutos e muitas cenas são tomadas por silêncios e atitudes naturais, como um longo take onde o trio caminha ou quando os personagens simplesmente fumam e manuseiam suas armas como se nem percebessem suas próprias existências.

O filme teve baixo valor de produção, possuindo locações simples com direção de arte mais simples ainda. O figurino do personagem de Fassbinder é o mesmo do início ao fim, tendo a imagem do bandido autônomo Franz refletida em sua jaqueta de couro e calças justas. Joanna é a que mais tem variedade em suas roupas, e ainda assim só possui três figurinos distintos; enquanto Bruno parece ter sido retirado de um filme noir, comum chapéu e um sobretudo negro que lhe dão um ar de detetive. O que se destaca, de fato, é o que o diretor foi capaz de fazer com tanta simplicidade, dando ênfase a planos simétricos e bem enquadrados e uma fotografia que consegue transformar atitudes banais do personagens em belas retratos sobre a frieza que pode existir nas relações humanas.

Por mais que lento que o ritmo do filme seja, é de se admirar a competência estética inovadora de Fassbinder que, com uma matéria bruta simples, conseguiu transformar em obra-prima um dos filmes mais importantes do Novo Cinema alemão. 

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