por Victor Leite

A solidão palpável e a loucura imagética (E O HORROR!)
O que é o cinema se não as milhares de interpretações que cada espectador terá da obra? Os milhares de diferentes sentimentos que cada filme irá causar em cada um: tristeza, raiva, dúvida, alegria, repulsa. O dispositivo cinema é um reflexo dessas divergentes experiências: uma sala escura, tela gigante, som alto e cadeiras individuais. O espaço é único e o indivíduo deve mergulhar naquele universo já nos primeiros minutos.
Lançado em 2014, A Misteriosa Morte de Pérola conta a história de Pérola que durante um intercâmbio na França começa a se sentir cada vez mais isolada. A cada momento que se passa, Pérola começa a se fechar mais para o mundo exterior e até mesmo para a realidade. O apartamento vira seu mundo e os sonhos, seu alimento. O limite entre real e imaginário é uma das propostas do filme, intercalando com momentos em que somos apresentados a uma memória “real” (as fitas VHS) e um aparato de detecção de fantasmas um tanto quanto peculiar.
Nos primeiros instantes do filme, quando Pérola começa a desbravar aquele novo lar, percebemos o contraste dela com o ambiente. Em um primeiro momento de total breu, aos poucos as janelas vão sendo abertas e a luz estourada revela os ambientes vazios. Poucos móveis, pouca decoração. Obras de arte estampam as paredes, tornando aquele apartamento uma espécie de museu, um antro da memória que Pérola passa a pertencer. Se a morte anunciada no título realmente ocorre, seria aquele local uma espécie de pós-vida, em que as memórias de Pérola e de seu namorado (personagem apresentado no último ato do filme) se entrelaçam e criam aquele mundo inóspito e opressor, em que os espíritos e as pessoas tem uma última chance de reunião?
A trilha sonora marca bastante alguns momentos dos filmes, que vê nos sons do ambiente a melhor forma de criar uma ambientação, já que há pouquíssimos diálogos, o que auxilia na atmosfera solitária e na potências das músicas. A atmosfera de horror da obra pode ser percebida nesse embate entre vídeo x som. Qual deles cria uma melhor ponte para o telespectador sentir a proposta do filme? A última cena, em que o casal valsa na sala do apartamento, imagem e música parecem finalmente entrar em consenso e se unir para dar o desfecho ideal para a trama.
Os personagens, Pérola e o namorado, são essenciais para a força que a obra mostra. Através da relação entre os dois, podemos tomar várias interpretações diferentes acerca da história e até do citado desfecho. Aquele quadro que ambos encaram foi a arma usada para acabar com a vida da estudante? Ela de fato morreu? Imagino que tudo não possa passar de uma ilusão do homem. Tendo Pérola viajado para fora e sendo abandonada por ele, resolve tomar as rédeas e esquecer a solidão. Larga aquele apartamento (que pode lhe lembrar o passado) e resolve mudar sua vida, sumindo no país e construindo seu futuro. Arrependido, o namorado toma a sua câmera de vídeo e mergulha na espiral de memórias que tem de sua ex, perdendo ele os limites do real e criando uma ficção em sua mente para tentar justificar seu abandono.
Funcionando como uma necessária baforada de ar fresco na mostra competitiva do Janela Internacional de Cinema, Pérola conseguiu com folga tornar-se um dos melhores filmes do festival naquele ano, inclusive recebendo um prêmio do Janela Crítica. Revelando que o cinema de gênero ainda tem muito espaço no cinema nacional, essa obra de horror pode servir de inspiração para muitos outros criadores.
Ao final do filme, o espectador pode apenas refletir sobre o poder do filme e aí a experiência torna-se coletiva novamente. Os comentários nas mesas do Central ou no ônibus pra casa podem reafirmar o poder e qualidade da obra. E Pérola, com seus modestos (e eficientes) 62 minutos, passou nesses e em muitos outros testes, mostrando-se uma experiência forte e significante. Resta esperar que isso ecoe na estrutura do cinema nacional e espalhe a ideia que criatividade, qualidade e gênero podem andar de mãos dadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário