13 de julho de 2015

CRÍTICA: Uma mulher sob influência

A Woman Under Influence, 1974, John Cassavetes

por Victor Leite



A loucura é relativa, contagiosa e será cinematizada
       
        Há certo horror voyeurístico em Uma Mulher Sob Influência. Em uma casa normal, uma família normal, vivendo rotinas normais. Pode ser um menino crescendo em Boyhood (Richard Linklater). Uma atriz de TV tentando alcançar o estrelato em The Comeback (HBO).  Nós assistimos a tudo isso. Compassivos, comendo pipoca ou rindo. No final somos espectadores da história e o que captamos diante dela são sentimentos.

        Quando conhecemos Mabel, vemos nela alguém diferente do seu redor. Seja através de suas roupas (cuja cor costuma destoar dos outros elementos em cenas, em que geralmente seu figurino é o mais vivo), através de gestos ou até mesmo da forma como é mostrada (em planos fechados, remetendo a uma sensação de prisão).  Interpretada por Gena Rowlands, indicada ao Oscar e vencedora do Globo de Ouro pelo desempenho, é improvável que o espectador não nutra certo sentimento pela protagonista. Não só por ela remeter a diversas mães, mas também por ela refletir certos aspectos da personalidade que podem ser comuns a várias pessoas. Com seus tiques e manias, Mabel consegue ser otimista e até um pouco aérea, tentando viver em um mundo só seu.

        Ao conhecermos Nick, percebemos nele um homem frustrado. Sendo um capacho no trabalho, tendo que trabalhar além do esperado e em horas inconvenientes, é em seu lar que ele tenta tomar controle de sua vida, para o desespero de sua esposa. O embate entre as personalidades de Nick e Mabel constroem o filme. Esse duelo exala grandes momentos, porém o maior deles é em um jantar, depois que Mabel volta da temporada de reabilitação. Inicialmente, Mabel hesita em interagir, reprimindo sua personalidade para tentar se adequar e agradar a todos os presentes. O marido, então, implora-lhe que volte a ser como era. Feito isso, a repressão dele volta com força total. Essa ambiguidade, em que ele não decide se quer a Mabel integral ou uma esposa modelo que ele tenta controlar tornam Nick um personagem tão interessante quanto sua mulher.

        Outros personagens, como o pai dos amigos dos filhos de Mabel e Nick, ou a mãe de Nick, também tem seus momentos de surto, o que vem para reforçar a sensação de horror e aversão: As pessoas, em sua eterna arrogância e presunção, cometem erros esdrúxulos achando que fazem o melhor, quando na verdade, são tão desequilibradas quanto às pessoas que tentam “ajudar”. Afinal, o que é desequilíbrio? O que é sanidade? O que é loucura?

        Indicado à Melhor Diretor no Oscar e no Globo de Ouro, John Cassavetes cria aqui o que é considerada sua obra prima. Tido como o percursor do cinema independente americano, aqui ele comprova que não se precisa de grandes orçamentos para realizar grandes filmes. Com apenas uma locação, que ajuda a transmitir a sensação de claustrofobia e prisão através de suas diversas portas, corredores e janelas, o filme tem um tom único que deixa o espectador apreensivo pelo próximo diálogo, onde cada vez mais a instabilidade se instaura e atinge a maioria dos personagens. A atuação é soberba, sobretudo a de Gena, que já foi considerada uma das melhores atuações do cinema. A cena da súplica dela ao pai, durante o jantar, é singular.

        Cassavetes, inclusive, é por vezes chamado de autor do improviso. Conhecido por ter um processo mais livre de direção, mais interessado na performance dos atores do que em convenções e restrições, o que realmente importa (como está claro neste filme) pode ser resumido na conclusão de Thierre Jousse, que analisou os procedimentos do cineasta: “Não importa se os atores improvisaram, ou se ensaiaram muito esse improviso, e sim a consequência na tela”. (Revista Cinética)

        Se você vai gritar para a tela e tentar convencer Mabel a tomar as rédeas e deixar o marido abusivo (como eu fiz) ou apenas querer desligar a tela para a família fechar as porta e resolverem seus problemas sozinhos, o filme é uma obra única, que sobreviveu ao teste do tempo e ainda hoje mostra que tem força e consegue impactar. Soberbo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário