A Woman Under Influence, 1974, John Cassavetes
por Victor Leite
A loucura é relativa, contagiosa e será cinematizada
Há certo horror
voyeurístico em Uma Mulher Sob Influência. Em uma casa normal, uma família
normal, vivendo rotinas normais. Pode ser um menino crescendo em Boyhood
(Richard Linklater). Uma atriz de TV tentando alcançar o estrelato em The
Comeback (HBO). Nós assistimos a tudo
isso. Compassivos, comendo pipoca ou rindo. No final somos espectadores da
história e o que captamos diante dela são sentimentos.
Quando conhecemos Mabel, vemos nela
alguém diferente do seu redor. Seja através de suas roupas (cuja cor costuma
destoar dos outros elementos em cenas, em que geralmente seu figurino é o mais
vivo), através de gestos ou até mesmo da forma como é mostrada (em planos
fechados, remetendo a uma sensação de prisão). Interpretada por Gena Rowlands, indicada ao Oscar
e vencedora do Globo de Ouro pelo desempenho, é improvável que o espectador não
nutra certo sentimento pela protagonista. Não só por ela remeter a diversas
mães, mas também por ela refletir certos aspectos da personalidade que podem
ser comuns a várias pessoas. Com seus tiques e manias, Mabel consegue ser
otimista e até um pouco aérea, tentando viver em um mundo só seu.
Ao conhecermos Nick, percebemos nele um
homem frustrado. Sendo um capacho no trabalho, tendo que trabalhar além do
esperado e em horas inconvenientes, é em seu lar que ele tenta tomar controle
de sua vida, para o desespero de sua esposa. O embate entre as personalidades
de Nick e Mabel constroem o filme. Esse duelo exala grandes momentos, porém o
maior deles é em um jantar, depois que Mabel volta da temporada de
reabilitação. Inicialmente, Mabel hesita em interagir, reprimindo sua
personalidade para tentar se adequar e agradar a todos os presentes. O marido,
então, implora-lhe que volte a ser como era. Feito isso, a repressão dele volta
com força total. Essa ambiguidade, em que ele não decide se quer a Mabel
integral ou uma esposa modelo que ele tenta controlar tornam Nick um personagem
tão interessante quanto sua mulher.
Outros personagens, como o pai dos
amigos dos filhos de Mabel e Nick, ou a mãe de Nick, também tem seus momentos
de surto, o que vem para reforçar a sensação de horror e aversão: As pessoas,
em sua eterna arrogância e presunção, cometem erros esdrúxulos achando que
fazem o melhor, quando na verdade, são tão desequilibradas quanto às pessoas
que tentam “ajudar”. Afinal, o que é desequilíbrio? O que é sanidade? O que é
loucura?
Indicado à Melhor Diretor no Oscar e no
Globo de Ouro, John Cassavetes cria aqui o que é considerada sua obra prima. Tido
como o percursor do cinema independente americano, aqui ele comprova que não se
precisa de grandes orçamentos para realizar grandes filmes. Com apenas uma
locação, que ajuda a transmitir a sensação de claustrofobia e prisão através de
suas diversas portas, corredores e janelas, o filme tem um tom único que deixa
o espectador apreensivo pelo próximo diálogo, onde cada vez mais a instabilidade
se instaura e atinge a maioria dos personagens. A atuação é soberba, sobretudo
a de Gena, que já foi considerada uma das melhores atuações do cinema. A cena
da súplica dela ao pai, durante o jantar, é singular.
Cassavetes, inclusive, é por vezes
chamado de autor do improviso. Conhecido por ter um processo mais livre de
direção, mais interessado na performance dos atores do que em convenções e
restrições, o que realmente importa (como está claro neste filme) pode ser
resumido na conclusão de Thierre Jousse, que analisou os procedimentos do
cineasta: “Não importa se os atores improvisaram, ou se ensaiaram muito esse
improviso, e sim a consequência na tela”. (Revista Cinética)
Se você vai gritar para a tela e tentar
convencer Mabel a tomar as rédeas e deixar o marido abusivo (como eu fiz) ou
apenas querer desligar a tela para a família fechar as porta e resolverem seus
problemas sozinhos, o filme é uma obra única, que sobreviveu ao teste do tempo e
ainda hoje mostra que tem força e consegue impactar. Soberbo.
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