15 de setembro de 2015

CRÍTICA: PACIFIC

Pacific, 2009, de Marcelo Pedroso

por Victor Leite



Espelho de três lados


Existe a teoria que cada pessoa desempenha um papel. Ninguém é quem diz ser, somos todos personagens, construídos no dia a dia, a cada nova experiência, a cada novo acontecimento. Mas o que acontece quando se adiciona uma câmera a isso? Uma metalinguagem interessante, onde o personagem interpreta, durante sua exposição àquele aparelho tecnológico, outra pessoa.

Em Pacific, de Marcelo Pedroso, somos apresentados aos passageiros do cruzeiro que dá nome ao filme, sendo esse um cruzeiro com programação de ano novo e destino a Fernando de Noronha. Durante esse trajeto, alguns dos passageiros filmaram toda a sua experiência de 7 dias e 6 noites. Através dos produtores, Pedroso conseguiu as filmagens de algumas dessas pessoas, mas sem avisá-las de antemão que as filmagens seriam utilizadas em um documentário.

As imagens que se vê durante o filme podem ser consideradas uma espécie de interpretação da classe média pela própria classe média. Hoje em dia, para muitas pessoas, o ato de viajar em um cruzeiro é uma meta a ser alcançada. Através da montagem do filme, podemos perceber que os alvos da câmera (e também as pessoas que a operam) alcançaram essa meta e parecem felizes com isso. Mas essa felicidade é dúbia. Através da lente da câmera, cada pessoa filmada desempenha certo papel. Livres de qualquer modéstia ou pudor demasiado, eles tentam passar nas imagens, que provavelmente iriam virar lembranças salvas nos computadores, um senso de realização para que, quando vissem esses vídeos no futuro, pudessem sorrir e se lembrar com nostalgia da tal viagem a bordo do Pacific. Afinal, por que pudor quando se está fazendo um vídeo apenas para os olhos da família?

A única performance realista durante o filme é de uma senhora, que inadvertidamente é filmada em seu sono. Não há nada no filme mais autêntico. Os personagens se desenrolam entre o homem piadista, os pais enjoados, o casal romântico (que fazem questão de retratar seu romance na câmera, como em um momento em que eles se filmam de mãos dadas olhando para o horizonte), entre diversos outros. Nem mesmo as crianças fogem de interpretar outros durante o tempo em que a câmera os captura. Há certo fascínio e certo receio com a imagem que se deve e a imagem que se quer passar para quem se assiste. As crianças querem chamar a atenção da câmera. O piadista quer fazer o espectador rir. O casal quer tomar um vinho enquanto assiste a seu registro da viagem. E assim cada pessoa desenvolve sua própria narrativa dentro daquela peça visual.

Outro ponto a se considerar é o fato do compartilhamento dessas imagens com o diretor do filme. Segundo relatos, os participantes pareciam bastante entusiasmados para participar do projeto quando ficaram sabendo do que se tratava. Mas qual seria o limite de exposição? Estariam todos eles dispostos a abrir sua intimidade e mostrar seu cotidiano (ainda que levemente alterado, pelo local, pelas pessoas ou outros fatores) para uma experiência do diretor ou para divertimento (ou diferentes reações possíveis) da plateia? Qual o limite da privacidade?

O filme é válido como uma experiência visual, que nos mostra como nos comportamos quando achamos que ninguém mais está olhando. Mas a partir do momento em que esse alguém olha, a imagem toma um significado diferente. Ela vira um relato privado em que se está xeretando, mesmo que com consentimento, e que pode refletir uma imagem da sociedade que muitos preferem não querer ver.

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