Pacific, 2009, de Marcelo Pedroso
por Victor Leite
Espelho de três lados
por Victor Leite
Espelho de três lados
Existe a teoria que cada pessoa
desempenha um papel. Ninguém é quem diz ser, somos todos personagens,
construídos no dia a dia, a cada nova experiência, a cada novo acontecimento.
Mas o que acontece quando se adiciona uma câmera a isso? Uma metalinguagem
interessante, onde o personagem interpreta, durante sua exposição àquele
aparelho tecnológico, outra pessoa.
Em Pacific,
de Marcelo Pedroso, somos apresentados aos passageiros do cruzeiro que dá nome
ao filme, sendo esse um cruzeiro com programação de ano novo e destino a
Fernando de Noronha. Durante esse trajeto, alguns dos passageiros filmaram toda
a sua experiência de 7 dias e 6 noites. Através dos produtores, Pedroso
conseguiu as filmagens de algumas dessas pessoas, mas sem avisá-las de antemão
que as filmagens seriam utilizadas em um documentário.
As
imagens que se vê durante o filme podem ser consideradas uma espécie de interpretação
da classe média pela própria classe média. Hoje em dia, para muitas pessoas, o
ato de viajar em um cruzeiro é uma meta a ser alcançada. Através da montagem do
filme, podemos perceber que os alvos da câmera (e também as pessoas que a
operam) alcançaram essa meta e parecem felizes com isso. Mas essa felicidade é
dúbia. Através da lente da câmera, cada pessoa filmada desempenha certo papel.
Livres de qualquer modéstia ou pudor demasiado, eles tentam passar nas imagens,
que provavelmente iriam virar lembranças salvas nos computadores, um senso de
realização para que, quando vissem esses vídeos no futuro, pudessem sorrir e se
lembrar com nostalgia da tal viagem a bordo do Pacific. Afinal, por que pudor
quando se está fazendo um vídeo apenas para os olhos da família?
A
única performance realista durante o filme é de uma senhora, que
inadvertidamente é filmada em seu sono. Não há nada no filme mais autêntico. Os
personagens se desenrolam entre o homem piadista, os pais enjoados, o casal
romântico (que fazem questão de retratar seu romance na câmera, como em um
momento em que eles se filmam de mãos dadas olhando para o horizonte), entre
diversos outros. Nem mesmo as crianças fogem de interpretar outros durante o
tempo em que a câmera os captura. Há certo fascínio e certo receio com a imagem
que se deve e a imagem que se quer passar para quem se assiste. As crianças
querem chamar a atenção da câmera. O piadista quer fazer o espectador rir. O
casal quer tomar um vinho enquanto assiste a seu registro da viagem. E assim
cada pessoa desenvolve sua própria narrativa dentro daquela peça visual.
Outro
ponto a se considerar é o fato do compartilhamento dessas imagens com o diretor
do filme. Segundo relatos, os participantes pareciam bastante entusiasmados
para participar do projeto quando ficaram sabendo do que se tratava. Mas qual
seria o limite de exposição? Estariam todos eles dispostos a abrir sua
intimidade e mostrar seu cotidiano (ainda que levemente alterado, pelo local,
pelas pessoas ou outros fatores) para uma experiência do diretor ou para
divertimento (ou diferentes reações possíveis) da plateia? Qual o limite da
privacidade?
O
filme é válido como uma experiência visual, que nos mostra como nos comportamos
quando achamos que ninguém mais está olhando. Mas a partir do momento em que
esse alguém olha, a imagem toma um significado diferente. Ela vira um relato
privado em que se está xeretando, mesmo que com consentimento, e que pode
refletir uma imagem da sociedade que muitos preferem não querer ver.